sexta-feira, 4 de junho de 2010

À moda do dono - Casa própria feita por você mesmo


Cada vez mais e mais pessoas concretizam o sonho da casa própria – construída com as próprias mãos. Esqueça o preconceito: você também pode bancar o joão-de-barro

texto Ronaldo Bressane


Todo dia ele fazia tudo sempre igual. E sempre terminava em churrasco com a turma toda. Antes, no entanto, era meter a mão na massa, na marra, na maciota, na medida. É que tinha resolvido levantar a própria casa. Tinha uns amigos que já moravam na área – todos fugidos de apertamentos na cidade. Comprou um lote naquela porção intocada de mata atlântica e colocou mãos à obra. A mão de obra foi importada: queria trabalhar com os gaúchos que havia conhecido na fronteira do Uruguai, mestres em criar telhados de palha. O pagamento seria pequeno, porém justo, e a picanha de todo dia cimentava a amizade da companheirada.

Quando viu o sobradão subido no terreno, não deu outra. Repetiu o esquema cotidiano dos quatro meses anteriores – e, poxa, por que não? Promoveu um novo e suntuoso churrasco para a galera – “ninguém é de ferro”, ri James Elkis, o construtor dessa história. Engenheiro civil, há 25 anos Elkis (primo do paisagista Gilberto) comprou um lote de 2300 m2 em um condomínio em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, onde nos anos 1960 alguns artistas haviam construído ateliês ou casas para o fim de semana. Fez uma maquete de oito cômodos, 4 x 4, formato de cruz, prevendo um sobrado de 200 m2. Foi matutando a ideia. Um dia soube que a Eletropaulo se desfazia de várias cruzetas de madeira, daquelas usadas para postes. Encheu dois caminhões de cruzetas. “Com essa madeira deu para fazer deque, vigas, tesouras, batentes de janelas. Material de graça, só paguei o frete”, afirma.

O teto, feito de palha de Santa Fé, é um verdadeiro artesanato. “A palha dá no banhado do Rio Grande do Sul, é tradição dos gaúchos para construir suas casas; os uruguaios também usam – eu tinha visto uma casa assim em Punta del Este e babei. O telhado tem mais área que a casa inteira”, diz. Tirou quatro meses de licença do trabalho, chamou um pessoal para dar uma força – os tais gaúchos importados. “Fazia churrasco todo dia, para motivar.” O que não fosse trabalho de carpinteiro ou pedreiro, hidráulica, elétrica, ele fazia – no resto, sete pessoas o ajudaram.

Mais madeira de demolição reutilizada, guarnições recicladas – e até o vidro das janelas saiu de graça: “Troquei um computador que eu tinha pelos vidros, assim envidracei a casa toda na faixa”. No entorno da casa criou ambientes com bambu – bancos, garagem, gazebo. Mais tarde, o bambu seria a estrutura de sua nova carreira. Deu um pé na engenharia e começou a criar luminárias, objetos de decoração e estruturas de bambu tratado. Depois de duas décadas vivendo na casa que construiu, estava na hora de ir plantar outras casas por aí. Hoje Elkis vive em Anápolis (GO).

Ecovilas. Uma saída?Goiás parece ser mesmo o centro da nova consciência imobiliária. Em Pirenópolis estabeleceu-se André Jae ger Soares, 46, quase um evangelizador do “construa você mesmo”. Ali funciona o Ecocentro Ipec, Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado. Permacultura é uma palavra criada pelos ecologistas australianos Bill Mollison e David Holmgren na década de 1970 e vem de “permanent culture”, ideia assentada sobre a sustentabilidade ecológica.

Pedagogo, tradutor e professor de informática, Jaeger saiu do Brasil no começo dos anos 80 e foi tentar a sorte na Austrália. Descobriu toda uma cultura voltada à autoconstrução. Sentiuse à vontade: desde os 13, quando vivia em Novo Hamburgo (RS), dava uma força para os pais e vizinhos montarem suas moradias. Fundou um instituto de sustentabilidade na Austrália e, oito anos depois, voltou ao Brasil para mostrar às pessoas que construir a própria casa “não é coisa de hippie”.

“Muitos fizeram casas em mutirão, e temos a riquíssima experiência das favelas. A classe média é que tem preconceito com a autoconstrução”, afirma Jaeger – que garante levantar uma casa em 60 dias, com uma equipe mínima. Já fez 30 casas em Pirenópolis e está construindo quatro ecovilas – sem contar a consultoria que realiza aqui e em países como Argentina e Portugal.

Jaeger crê que mudar para a própria casa equivale a transformar os próprios valores. “Numa ecovila, temos outro modelo econômico: o custo é baixo, mas a segurança e o conforto são altos. O ar é mais puro, o conforto térmico é melhor, tenho uma casa confortável, amena, sem ar-condicionado, a água que bebo é da chuva, vivo no meio dos pássaros, não preciso de porteiros nem pago condomínio...” É uma experiência inevitável a longo prazo, segundo o engenheiro autodidata. “Ou fazemos isso ou nossa sociedade colapsa. Não há como manter esses níveis de consumo e stress pessoal e ambiental. Nas ecovilas antecipamos o futuro: quando chegar a pressão, as pessoas terão uma boa referência.”

Um exemplo é a energia elétrica. “Aqui, temos um sistema demonstrativo de energia solar e outro de biogás. Mas o grosso do nosso uso é via rede elétrica, ainda não há condições econômicas para viabilizar isso. Acontece que, se a energia acabar, não se faz nada – sem gasolina, em duas semanas faltaria comida em São Paulo. Aqui não: sobrevivemos com o que plantamos. Por não terem sido educadas a viver com o essencial, quando as pessoas ficam sem luz acham que vão morrer. E algumas vão mesmo... porque não se prepararam”, diz o permacultor.

Apesar do desinteresse por TV, nas ecovilas a banda larga de internet é essencial. E, ao lado da necessidade de assumir seu consumo de energia, tu te tornas responsável pelos resíduos que cativas... “A primeira coisa que fizemos foi desenvolver tecnologias de reciclagem de lixo. Um sanitário seco transforma resíduo humano em húmus. Aqui, 100% do lixo orgânico é reciclado e 40% do resto se transforma em matéria-prima para ser usado em arte ou educação. Nas ecovilas, uma pessoa produz menos de 5% do lixo de uma pessoa vivendo em uma cidade”, diz.

Mão na massaMas nem só engenheiros ou militantes ecológicos vivem nas casas à moda do dono. Tem gente a que simplesmente dá na telha levantar seu espaço – caso de Lilian Chiari, administradora de 29 anos. Ela construiu a própria casa somente com a ajuda de um pedreiro, de um vizinho especialista em adobe, além, claro, do marido, um especialista em serviços verticais que trabalha no Parque Nacional da Serra do Cipó. É uma construção de 96 m2, com três quartos, um banheiro, uma sala com cozinha e varanda – tudo prestes a ganhar mais 70 m2 com cozinha de fogão a lenha e mirante. “Ela ainda não está acabada, não teve projeto nem nada, nem arquiteto nem engenheiro. É tudo uma mistura de sorte e vontade, meio fora do padrão convencional.”

“A melhor parte é meter a mão na massa”, diz Lilian, que se mudou para a serra do Cipó há um ano – a casa ficou de pé em nove meses. Morando com marido e filha em um município de 3 mil habitantes, quando sente saudade da cidade Lilian vai visitar parentes em Belo Horizonte, a 100 km do Cipó. “Fiz minha casa aqui porque queria de uma maneira concreta ficar mais perto do mundo natural, e a possibilidade de realizar uma utopia de vida boa na cidade é difícil”, diz. O interessante de viver nesse esquema é que não existe rotina: “É muito gostoso acordar, ver o que é preciso fazer, se o cão ficou doente, se a plantinha requer cuidado...”

Além da ideologiaSe você não quer mudar todo mundo para a casinha de sapê cantada pelo saudoso Zé Rodrix e apenas quer se mudar para um lugar mais bacana, construir o próprio espaço é a melhor alternativa – economicamente. O gramático Francisco Moura, 60, há dez anos adquiriu um sítio dos anos 40 no sertão de Barra do Una, litoral paulista. O filho, o arquiteto Gustavo Moura, ajudou na reforma. “Mantivemos a rusticidade e respeitamos as características essenciais da casa, o cimento queimado, mas abrimos espaços, colocamos vidros”, diz o professor. Construiu ainda uma área de lazer – a piscina aproveita a água de uma nascente e devolve-a para o mesmo rio que contorna a propriedade, de 120 mil m2, com somente 10 mil m2 utilizáveis: o restante é destinado à preservação da mata original.

Francisco vai lá a cada 15 dias – mas a ideia é morar no Una a médio prazo. Por ser um sítio primitivo, sem luz elétrica, foi adquirido a bom preço. “O preço de uma casa está relacionado aos materiais de acabamento”, ensina Jaeger. “A indústria está voltada ao alto nível de industrialização e refinamento. Se você coloca mármore da Itália, tão bom quanto uma pedra de Minas Gerais, vai gastar muito mais”, afirma ele, que calcula o custo de suas moradias em 40% do valor praticado no mercado.

Elkis confirma: “Minha casa em Taboão custou 30% do que custaria se tivesse encomendado ou comprado uma pronta”. Elkis não mora mais em Taboão da Serra – em Goiás, como diz, está tudo por fazer. Porém, mesmo de longe, se orgulha do feito. Um orgulho intransferível, como descreve o escritor Primo Levi em A Chave-estrela, sobre a experiência da construção: “O prazer de ver crescer sua criatura, placa sobre placa, parafuso após parafuso, sólida, necessária, simétrica e adaptada ao escopo, e, depois de terminada, de contemplá- la e pensar que talvez viva mais do que você e talvez sirva a alguém que você não conhece e que não o conhece. Talvez possa voltar a vê-la quando estiver velho, e lhe parecerá bela, e no fim não importa se parece bela somente a você, que pode dizer a si mesmo ‘talvez um outro não tivesse conseguido’”.


Um comentário:

  1. Olá amigo,

    Compartilhando com voce minha jornada. Estou construindo minha casa usando a técnica chamada COB, quero compartilhar minhas descobertas e estudos para todos que interessem.

    http://brasilcob.blogspot.com/

    Um abraço, Fernando

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