Entidades ligadas à área ambiental, rural e representantes de universidades criticaram a proposta de revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Físico Territorial de Sorocaba, ontem pela manhã, durante audiência pública sobre o tema na Câmara Municipal. Para eles, o projeto de lei 178/14, que propõe a revisão, é mais permissivo do que o atual, incentiva o aumento da população, a expansão imobiliária, não protege os recursos naturais, nem proporciona maior qualidade de vida para os moradores da cidade. Novamente a Prefeitura não enviou representantes à reunião.
O novo Plano Diretor foi elaborado pela Prefeitura de Sorocaba, enviado à Câmara no final de abril deste ano e está sendo discutido em uma série de audiências públicas para depois passar pelas comissões de vereadores e entrar em votação. O plano vigente foi elaborado em 2004 e revisado em 2007, portanto, tem validade até 2017.
Revisão inadequada
Na visão do secretário executivo da Ong Pé de Planta, Paulo Sgroi, a proposta de revisão como um todo é inadequada, pois fragmenta o município em lotes menores e não há um benefício claro para a população. Ele cita que o plano diretor é a peça principal para a gestão do município, da qual derivam todas as outras leis e planos, e critica a necessidade dessa revisão antes da exigência legal, que é para 2017.
Para Sgroi, o plano trará um maior adensamento para a cidade e é preciso entender qual é a motivação para essas mudanças, a quem interessa que Sorocaba caminhe para o que vive hoje a cidade de São Paulo, que não comporta a população que lá habita. "Esse afogadilho todo é: tem um monte de empreendimento engavetado, então é preciso mudar logo o tamanho dos lotes para autorizar esse empreendimento", aponta. Sgroi alerta para que sejam identificados esses desvios que só favorecem algumas pessoas ou grupos "minúsculos", mas que não beneficiam a cidade como um todo.
O representante da Ong também critica a falta de fiscalização do plano vigente, da ausência de um fluxo organizado de licenciamento ambiental - que passe pela avaliação do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Condema), e da falta de transparência nesse processo. Para ele, os cidadãos também devem ter acesso a informações para atuar como fiscais, fazer denúncias e terem o acompanhamento do resultado dessas denúncias, o que não ocorre atualmente.
Proposta permissiva
Os especialistas também afirmaram que o plano vigente é mais restritivo do que a proposta de revisão, ou seja, o novo texto que está sendo analisado seria mais permissivo a mudanças de uso do solo e menos protetor no sentido ambiental. "A sensação que eu tenho com esse novo plano diretor é que aquele jogo Banco Imobiliário foi colocado em cima da cidade. Os empreendedores imobiliários pressionam e vai se passando o canetão", critica Demis Lima, biólogo e representante da empresa Biodiversa Inovações Ambientais.
Lima explica sua colocação, dizendo que trabalhou por três anos como técnico da Secretaria do Meio Ambiente (Sema) de Sorocaba, e que sabe da pressão que o setor imobiliário exerce para a aprovação de empreendimentos, muitas vezes sem estudos de impacto de vizinhança e ambiental. "Fica o bônus para os empreendedores, mas o ônus fica com a sociedade", argumenta o biólogo, que cita como consequência negativa a dificuldade de mobilidade urbana, o esgotamento de recursos hídricos e perda de áreas verdes.
O professor de Engenharia Florestal e representante da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) campus Sorocaba, Luiz Carlos de Faria, concorda com Lima e chama a atenção para o fato de que Sorocaba já possui pouco meio ambiente natural. "O plano diretor atual é mais restritivo. Se flexibilizarmos, daqui a alguns anos teremos menos do que o pouco que há hoje. Eu vejo esse plano como mais desenvolvimentista, que esquece da sustentabilidade".
Redução de áreas rurais
Outro ponto discutido amplamente ontem foi a diminuição da zona rural para 14% do município, proposta na revisão do plano. Para o presidente do Sindicato Rural de Sorocaba, Luiz Antonio Marcello, é preciso preservar as propriedades rurais da cidade.
Ele aponta que, por conta da falta de políticas públicas para os produtores, houve um êxodo rural, e hoje 85% dos produtores estão em áreas que foram urbanizadas, e que lutam para conseguir manter sua atividade. Eles precisam provar, todo ano, que são produtores, para não terem que pagar valores que chegam a R$ 20 mil reais em IPTU, o que nem sempre conseguem devido ao despreparo técnico da Prefeitura e à burocracia. "Se as propriedades rurais começarem a ser vendidas e loteadas, vai haver mais impermeabilização do solo, e isso traz consequências como enchentes, alagamentos e falta de abastecimento dos lençóis freáticos", enfatiza. Ele diz que há mais de 500 produtores rurais na cidade e que muitos desejam continuar, mas é preciso que haja condições para tal.
Os especialistas na área ambiental concordam com a necessidade de preservar as áreas rurais para que contribuam não só com o abastecimento de alimentos, mas com a preservação do meio ambiente, como aponta Luiz Carlos de Faria. Paulo Sgroi acrescenta que as dificuldades enfrentadas pelo setor dão margem para a especulação imobiliária, ou seja, empreendedores compram essas áreas e esperam até que haja condições econômicas e que o plano diretor passe a permitir a construção de condomínios nesses locais, com a mudança de zoneamento como a que está sendo proposto agora.
Texto subjetivo
O engenheiro ambiental e professor Roberto Wagner Lourenço, representante da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp - campus Sorocaba), aponta que o texto do novo plano diretor possui regras subjetivas e dá margem à interpretações diversas. Dentre outros exemplos, ele citou os termos "qualidade ambiental" e "equilíbrio ambiental", que geram dúvidas e deveriam ser trocados por palavras técnicas como "preservação e conservação ambiental". A palavra "restringir" a ocupação nas áreas de proteção de mananciais e de várzeas também é errada, na visão dele, e deveria ser substituída por "impedir".
Outro ponto defendido por Lourenço, assim como pelo professor da Ufscar, por Paulo Sgroi e pelo ambientalista e ex-vereador Gabriel Bittencourt, é que o Plano Diretor deveria estar em sintonia com o Plano Diretor Ambiental (PDA). Para eles, a proposta de revisão entra em conflito com o que foi definido pelo PDA.
O presidente da Comissão Especial do Plano Diretor da Câmara, que presidiu a sessão, vereador José Crespo (DEM), lembrou que esse plano ambiental foi elaborado por uma empresa contratada como exigência de um agente financeiro, para que aprovasse o financiamento para obras viárias do programa Sorocaba Total. "A Prefeitura não pretendia executar um plano diretor ambiental", critica, dizendo que o texto, de 500 páginas, foi engavetado, pois só teria sido feito para que as obras viárias fossem executadas. Esse plano não foi protocolado na Câmara e não virou lei, o que Crespo critica, pois diz que qualquer um pode alterá-lo sem ninguém jamais saber.
Entidades do Setor da construção criticam restrições do Plano Diretor
Ausência de secretários municipais nas discussões foi novamente criticada na Câmara de Vereadores
Míriam Bonora
As mudanças das regras para construção de imóveis previstas na proposta de revisão do Plano Diretor de Sorocaba foram o principal tema de discussões ontem pela manhã, durante a terceira audiência pública sobre o tema na Câmara Municipal, com a presença de entidades ligadas ao setor.
Participaram do encontro ontem, como convidados da Comissão Especial do Plano Diretor, representantes das regionais do Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo (Secovi), do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon), do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci), da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Sorocaba (Aeas) e da 24ª Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Também estiveram presentes vereadores, membros de associações de bairros e munícipes.
A próxima audiência pública sobre o Plano Diretor será na quarta-feira, dia 18, às 9h30, com a presença de entidades ambientalistas, rurais e universidades, além de cidadãos que desejem participar do debate. Essas audiências darão subsídios aos vereadores para elaborarem emendas e votarem o projeto de lei 178/14, que foi enviado no final de abril pela Prefeitura e prevê a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Físico Territorial da cidade.
Novamente a Prefeitura de Sorocaba não enviou representantes. Essa ausência foi criticada pelo presidente da Comissão, vereador José Caldini Crespo (DEM), que pela segunda audiência seguida solicitou que um "avatar" com a fotografia do secretário de Mobilidade, Desenvolvimento Urbano e Obras, Antonio Benedito Bueno Silveira, fosse afixado em uma das cadeiras da mesa principal dos trabalhos.
Crespo afirmou que essa foi uma forma de protesto, mas também de incentivar com que o secretário ou algum representante compareça nas próximas audiências. Ao final da audiência, após um cidadão manifestar incômodo com o "protesto", Crespo virou a fotografia do secretário "para a parede", deixando as costas brancas do papel viradas para o público.
Críticas e sugestões
Durante as falas das entidades convidadas, as principais críticas foram sobre o limite de altura dos edifícios nas zonas residenciais (ZR) e 3, que, segundo a proposta da Prefeitura, devem ter, no máximo sete pavimentos, contando o andar térreo. O diretor regional do Secovi, Flávio Amary, destacou que essa limitação vale para quase toda a zona residencial da cidade e que essa mudança trará impactos sociais e econômicos negativos.
O diretor do Sindicato da Habitação também critica o tamanho mínimo dos lotes, que segundo o texto passará de 150 metros quadrados para 200 m2. Ele acredita que, se isso ocorrer, haverá um incentivo à favelização da cidade, pois os imóveis ficarão mais caros e muitas pessoas não terão condições de comprar sua casa própria em Sorocaba, o que pode gerar invasões. Amary mencionou também a possibilidade de aumento da coabitação, ou seja, duas famílias morando em um mesmo terreno.
O diretor da Regional Sorocaba do Sinduscon, Elias Stefan Junior, concorda e enfatiza que essa limitação de altura dos prédios vai gerar empreendimentos com mais torres. Para a entidade, isso diminuiria as áreas permeáveis, a ventilação e iluminação das moradias, além de aumentar custos de construção e de manutenção, como taxas condominiais, energia elétrica, além de área verde e de lazer reduzidas.
Para Stefan, o impacto econômico seria negativo, pois os empreendimentos ficariam mais caros para as incorporadoras e também para os compradores dos imóveis. Esse reflexo, para o diretor, seria sentido na queda do emprego na construção civil e em toda a cadeia produtiva, o que diminuiria a arrecadação municipal e estimularia a migração desses negócios para outros municípios.
O limite de altura dos prédios também foi criticado pela Aeas e pelo Creci. "Quanto melhor a qualidade do produto, com custo menor e quantidade boa de oferta, será melhor para a população", argumentou o subdelegado regional do Creci, Iwao Kawaye.
O Secovi, o Sinduscon e o Creci também criticaram o aumento das Áreas de Proteção Permanente (APPs) para conservação dos rios e córregos da cidade. Para eles, áreas como os 150 metros de APP nas áreas não urbanizadas do rio Sorocaba são muito grandes, sem critério técnico, e que propiciariam invasões.
Sobre essa questão, o presidente da Subsecção de Sorocaba da OAB, Alexandre Ogusuku, pondera que, independente do tamanho das APPs, é preciso que o Poder Público fiscalize essas áreas para que as invasões não ocorram. Sobre o tamanho dos prédios, Ogusuku argumenta que, para além da discussão de limite de andares, é preciso pensar em evitar uma densidade muito alta em determinada região, guardando distância mínima entre as torres e pensando na qualidade de vida, como mobilidade, infraestrutura de água, esgoto, energia elétrica, saúde etc.
Falta infraestrutura e cuidado ambiental
Além das entidades convidadas, quatro munícipes que acompanhavam a audiência também se manifestaram, principalmente criticando a falta de infraestrutura e preocupação com a preservação dos recursos hídricos. Entre as falas, a professora de biologia Vera Costa Fogaça apontou a necessidade de preservar os biomas para que os recursos hídricos também sejam protegidos, sem os quais não haverá abastecimento de água para a população.
Vera também criticou os empreendedores imobiliários, dizendo que a maioria deles "só querem ganhar dinheiro" construindo imóveis pequenos e grudados um ao outro, sem área permeável por onde passe a água da chuva - para que ela infiltre no solo e abasteça os lençóis freáticos. Ela diz que esse aumento do "concreto" na cidade faz aumentar as enchentes, e isso precisa ter regras. "Não há preocupação com o meio ambiente, só se impermeabiliza a cidade", aponta.
O membro da Associação de Moradores da Região Leste da cidade, Cláudio Robles, questiona o aumento de áreas residenciais previstas para aquele local, já que argumenta não haver infraestrutura suficiente nem para as pessoas moram lá atualmente. "Não dá para ocupar mais 6 quilômetros de zona residencial 3 em Aparecidinha. Se fosse terrenos de 200 metros quadrados, teríamos lá mais 45 mil pessoas, mais que o dobro do atual. Como vamos fazer se não temos água nem esgoto? Isso é uma vergonha", disparou.
http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia/553363/novo-plano-diretor-coloca-em-risco-o-meio-ambiente
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