Doutores da UFSCar e da USP avaliam que situação atual
não é boa e tende a ficar pior. Eles defendem - categoricamente - a proteção
dos recursos naturais
André Cordeiro Alves dos Santos: ocupação urbana diminui
a capacidade de o solo absorver água e reabastecer o lençol freático - EMIDIO
MARQUES
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Míriam Bonora
miriam.bonora@jcruzeiro.com.br
Se aprovada pela Câmara Municipal, a atual proposta de
revisão do Plano Diretor de Sorocaba - elaborada pelo governo do prefeito
Antonio Carlos Pannunzio (PSDB) - tende a agravar ainda mais o problema da
falta de água na cidade e a redução da biodiversidade ainda resistente. A
avaliação foi apresentada ontem pela manhã por dois especialistas durante o 1º
Encontro Aberto das Regiões Leste e Sudeste para Analisar o Plano Diretor 2014,
realizado no auditório da Fundação Ubaldino do Amaral (FUA). O novo plano (projeto
de lei 178/2014) está em pauta para votação na Câmara Municipal (veja matéria
abaixo).
A afirmação de que a cidade já vive uma situação crítica
em relação à proteção da biodiversidade e recursos hídricos, e que o problema
deve piorar com o novo plano, foi tecnicamente explicada ontem pelos
professores André Cordeiro Alves dos Santos - que é doutor em Ciências da
Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP) e docente da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) campus Sorocaba - e Álvaro Fernando
de Almeida, doutor em Ciências Biológicas pela USP e professor em cursos de
graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado da USP.
Participaram do evento lideranças de bairro, entidades
representativas, estudantes, o secretário da Habitação, Flaviano Agostinho de
Lima, e os vereadores José Crespo (DEM), Carlos Leite (PT), Anselmo Neto (PP),
Hélio Godoy (PSD), Luís Santos (Pros), Marinho Marte (PPS) e Neusa Maldonado
(PSDB).
O professor da Ufscar Sorocaba ressaltou que a crise da
água não ocorreria se a gestão dos recursos hídricos tivesse sido feita
adequadamente e, se as medidas corretas não forem tomadas agora, o problema
tende a ficar ainda pior. Santos comenta que Sorocaba já está vulnerável no que
diz respeito à água, tanto em quantidade quanto em qualidade. Em quantidade
porque a cidade fica no trecho médio do rio Sorocaba, com as nascentes - onde
há mais água - em outros municípios.
O problema da qualidade é que os municípios vizinhos,
onde nascem os principais mananciais, não tratam a maior parte do esgoto que
produzem e o descartam in natura nos corpos d’água que chegam à represa de
Itupararanga e outras reservas que abastecem a cidade, como o rio Pirajibu. E
essas cidades, como Cotia, Vargem Grande Paulista, Alumínio e Mairinque, estão
em um ritmo de crescimento populacional que preocupa, pois tendem a descartar
cada vez mais esgoto sem tratamento.
Plano Diretor
"Estamos passando por um processo de mudanças
climáticas globais, que é um processo irreversível. Teremos períodos de seca
mais prolongados e períodos de chuva mais curtos, porém com chuvas mais
fortes", acrescenta Santos. O professor explica que, para combater o
problema, é preciso aumentar a capacidade de reservar essa água, com novos
reservatórios e também permitindo que a água entre no solo e ocupe os lençóis
freáticos. E essa questão está ligada ao plano de desenvolvimento da cidade, do
qual trata o Plano Diretor.
A crítica ao novo Plano Diretor proposto pela Prefeitura
é de que ele aumenta a ocupação do solo e as áreas urbanas, com o aumento das
zonas residenciais e o parcelamento dos terrenos. Isso diminui a capacidade de
o solo absorver água e reabastecer o lençol freático. "A partir do momento
em que você faz um plano diretor que privilegia uma ocupação urbana em áreas
que hoje não são ocupadas, você está aumentando a impermeabilidade do solo e o
escoamento superficial. Isso leva a problemas no futuro que são: falta de água
no período de seca e enchentes no período de chuvas".
Santos enfatiza que é preciso considerar a ocupação dos
territórios pelas microbacias, mesclando nessas regiões áreas urbanas, rurais,
industriais e áreas de preservação, garantindo a proteção aos mananciais e a
capacidade de absorção da água pelo solo para os reservatórios subterrâneos.
Biodiversidade
O professor da USP, Álvaro de Almeida, complementa
chamando a atenção para a perda da biodiversidade de Sorocaba. Assim como as
associações de moradores e amigos de bairro da região Leste e Sudeste, o
especialista defende a implantação de corredores de biodiversidade, com sua
previsão no Plano Diretor. Essa proposta foi tecnicamente apresentada no livro
Biodiversidade do Município de Sorocaba, com participação de 59 especialistas e
coordenação da própria Secretaria Municipal de Sorocaba (Sema), mas não foi considerada
na revisão do Plano Diretor elaborada pela Prefeitura.
Almeida conta que a vegetação nativa de Sorocaba está
fragmentada, o que causa um isolamento dos animais e das plantas e a endogamia
(cruzamento entre indivíduos da mesma família), o que causa deformações
genéticas que podem gerar a extinção de espécies. O professor lembra que
proteger as espécies é uma questão de sobrevivência humana, pois é através
delas, por exemplo, que se descobrem curas de doenças e vacinas, sem falar na
proteção dos recursos hídricos, manutenção do clima e em toda a cadeia
alimentar.
A sugestão científica para Sorocaba é aproveitar os
fragmentos de qualidade da região sudeste e leste, criando um corredor que
interligaria a Floresta Nacional de Ipanema (Flona), à Noroeste, até a Área de
Proteção Ambiental (APA) de Itupararanga, em Votorantim, que é a principal
fonte de água para Sorocaba. "São as regiões mais importantes em
biodiversidade de Sorocaba. Um corredor interligando esses locais seria
essencial para manter o que sobrou desse verdadeiro museu vivo que ainda temos
na cidade", destaca Almeida.
O presidente da Associação dos Empreendedores do Bairro
do Éden e Região, José Bernardo da Silva, também um dos organizadores do evento,
analisa que a principal falha do texto de revisão do Plano Diretor 2014 é a
falta de planejamento com um diagnóstico atual e diretrizes claras. Ele cita
que os planos acessórios são prometidos pela Prefeitura desde a revisão do
Plano Diretor feita em 2004, e que eles são essenciais para nortear essa nova
revisão do texto. "Qualquer plano tem que partir de um diagnóstico da
situação atual, apontar onde se quer chegar e como fazer isso. Vamos crescer
para onde e como?".
Além da necessidade de elaboração desses planos
acessórios, as associações afirmam que é preciso dar atenção também ao problema
da água, incluindo a proteção dos fragmentos florestais com a criação de
corredores de biodiversidade. "Nós já denunciamos o problema da água desde
2007. Estamos em um regime de desabastecimento. Se não resolvermos a questão
dos recursos hídricos, não tem como andar para frente", aponta Robles.
Para proteger e garantir a manutenção dos recursos
hídricos, as associações apontam que é necessária a implantação de corredores
de biodiversidade. O livro Biodiversidade do Município de Sorocaba, lançado em
abril deste ano pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente, traz uma proposta
de como e onde esses corredores podem ser feitos. O livro teve a participação
de 59 pesquisadores e 12 instituições e universidades de Sorocaba.
Outra sugestão é a criação de uma nova categoria no
zoneamento: a zona de Núcleo Urbano Residencial em Áreas Rurais. Segundo
Robles, esse núcleo teria terrenos com 1.000 m2 ou mais, permissão de ocupar
apenas 50% do lote com construções e tratamento de esgoto individual feito com
biodigestores mecânicos. Robles explica que o objetivo seria proteger as áreas
rurais, evitando a ocupação desordenada e contaminação das águas e solo,
mantendo as características de permeabilidade e preservação da vegetação.
Notícia publicada na edição de 09/09/14 do Jornal
Cruzeiro do Sul, na página 004 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na
internet é atualizado diariamente após as 12h.
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